sexta-feira, 17 de outubro de 2008

embora com alguns dias de atraso, mas ainda em boa hora já que não se jogou mais para o campeonato desde então, aqui vai a minha crónica do derby

após 13 ou 14 anos de ausência dos estádios portugueses em efemérides ligadas ao campeonato nacional, que entretanto passou a chamar-se liga, foi-se à estratosfera e chamou-se-lhe superliga, desceu-se à casa de apostas, agora engole-se o patrocínio alcoólico, a última presença, dizia, foi num porto belenenses a que fui assistir sozinho, de peito aberto, e do qual saí com uma vitória por 0-2, uma tentativa colectiva de agressão, uma mochila perdida, um casaco com uma manga rasgada e uma corrida à usain bolt até à esquadra rés-vés palácio da presidência. há galhofas que dispenso e como tal deixei passar uns bissextos até regressar a estes ambientes, desta vez na companhia do meu querido amigo J.B., que não destilado, homem de pena solta especialista em linhas de baixo e em cantigas de pretos, entre outros demónios. ambos com o porto no coração e a fé torpeada pelo estádio emirates, eu mais crente na vitória, certo da sodomia à bruta aplicada ao plantel pelo papa pinto da costa no balneário 2 do dragão, fizemo-nos à liça, posto o que entupimos uns minutos à entrada em virtude dos apalpões que continuam a não filtrar very-lights, vide o golo do empate mas já lá vamos. entrámos direitos ao lugar marcado, no meu tempo era degrau de cimento e era um pau, agora há cadeirinha retráctil e com número próprio, abancámos a tempo do apito inicial e depois de um começo morno começo a perceber que o habitual ambiente de faca, alguidar e cirrose que associo aos campos da bola cede lugar ao ambiente de jogo de gólfe, assim mesmo, com acento no “o” e tudo, em sotaque nasalado e ululante, basta ouver à minha volta, olá tio, olha o rodrigo, então pai, por que é que demorou tanto? tive de deixar o jipe no parque da cidade universitária porque cheguei agora do alentejo, e em vez de um quarenta mil caralhos me recontrafodam, calem-se que eu quero ver a bola sossegado, vêem-se magotes de rapaziada com cabelo tufado e pólos de rugby a reluzir, já que o lacoste parece estar guardado para os decanos do cativo, aaahhh, o suave ambiente de bancada central leonina. entretanto já estamos na frente por 1-0, golo de raça arrancado ao embasbacado grimi, e logo depois deixamo-nos empatar em penalty que não discuto, dada a falta de repetições in loco, e damos a volta por cima com uma bolacha do titânico alves, jogador à porto, a escola joão pinto-andré-quim-jaime magalhães-jaime pacheco ainda vai dando frutos, se se sentassem ao meu lado na bancada não saberiam comer o escargot com o talher (por momentos temi que fosse esse o único snack à venda no estádio) mas deixaram descendência que nos permite dobrar o bento, e bem.

intervalo

surge a figura mítica do homem grisalho que já não anuncia “é pó cu, é pó cu, almofadinhas prá bola”, agora os assentos são de outro calibre e esta gente trocou os torresmos pela batata titi, e até já vestem coletes a anunciar staff, depois não querem que haja gente a gritar pelos casamentos gay, um gajo cede aqui e ali e num ápice os gajos estão de flor de laranjeira, tudo isto enquanto avançam as cheerleaders do sporting, vestidas de tmn da cintura para cima, despidas de minissaia capaz de levantar um lázaro, da cintura para baixo. o equilíbrio de forças com a bichice fica retemperado, e elas meneiam a anquita, mas as bancadas não animam; afinal, o porto está na frente.

reinício

após uns minutos de impasse e um par de sarrafos entra em campo mariano gonzaléz, sinal de que o porto resolveu passar a jogar com dez, mesmo com a benevolência do lucílio em relação a tomás costa. uma questão de justiça e mão na consciência que o sporting resolveu não aproveitar, sugiro então ao ministro mário lino que aproveite a auto-estrada construída nas costas do sapunaru para inaugurar nova via em direcção a norte, poupando uns trocos e consolando a senhora ferreira leite. o jogo foi mais rasgadinho neste segundo tempo, os ânimos em relação a lucílio foram azedando, e os nossos companheiros de bancada faziam rimas dirigidas ao árbitro, próprias de quem acabou de consumir cogumelos mágicos: “sai da frente anormal, pareces um pardal”. como disse? um senhor exaltado chamava “marreta” a todo e qualquer jogador do porto que executasse um lançamento de linha lateral ou um pontapé de baliza. então e um mais clássico filho da puta do caralho, fodia-te esses cornos com uma cabeçada, cona da tua prima aos saltos na frigideira? não, no que toca a cornos, alguém grita da bancada “até pareces um boi charolês”, I kid you not, sempre a classe [alta] a vir ao de cima. um ou outro “alho”, ou “uta”, compensados aqui e ali por um “pateta!”, e marreta, e sacana, ou por um prosaico “dá-lhe uma sova”, tudo na maior das civilidades até ao apito final, ainda ouvi um desconcertante “pró caralho, por amor de deus” vindo de trás do meu ombro esquerdo, vernáculos maiores só na boca de um dos elementos do júri do extinto “ídolos”, pela boca morre o peixe e nunca me enganaste com essa cara de quem foi zurzido por um varapau, ou dois, lisandro e bruno, e eu e o J.B. sorrimos com naturalidade, toda a gente sai ordeiramente e então percebo que algures durante o evento, provavelmente à entrada, alguém me enfiou no bolso um prospecto da cientologia, a felicidade à distância de um livro de ron hubbard e eu penso com os meus botões que uma coisa é um gajo deixar-se alienar por uns pontapés na bola, outra é querer ser irmão de fé do john travolta. lá porque fizeste o pulp fiction não abuses do poder das ressurreições, pá.

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